Olá!
Depois
de um tempo do lançamento do filme 50 Tons de Cinza, venho trazer a minha
análise psicológica sobre a obra. Tantos outros comentários já foram lançados e só agora trouxe o meu. Por isso, acredito que
você que assistiu não vai achar ruim se eu interpretar detalhes e cenas do
filme, não é mesmo? Então, me acompanhe!
ANASTASIA STEELE
Começo
pelas impressões de Anastasia, que se mostra tão frágil, ingênua, e é uma jovem
instável, aparentemente “solta” no mundo, desajeitada, desorganizada e que não
se preocupa em planejar os detalhes da vida. Simplesmente, se deixa levar pelas
situações e “acasos”.
CHRISTIAN GREY
Chritian
Grey é um sujeito organizado, detalhista, objetivo, que tem muitos planos e
sabe onde quer chegar. Ele é narcisista e controlador, como se observa pela ordem
e estilo de seu closet, a qualidade do que ele tem e investe em si mesmo. Para
si: o melhor, o primeiro lugar.
COMO TUDO ACONTECEU
Sendo
alguém sagaz, ao ser entrevistado por Anastasia, observa a passividade da moça
e como ela age de forma lenta, mesmo quando ela tenta ser “intrometida” com as
perguntas feitas sobre a vida pessoal dele. E o que acontece? Ele domina,
inverte o propósito da entrevista e fica sabendo mais sobre a vida dela do que
ela dele. Aí ele começa a entender que ela é o perfil ideal para se relacionar.
Ela
vai entrevistar um cara super famoso, competente profissionalmente e a amiga em
casa já havia feito um check list para ver se ela não estava esquecendo nada
para obter sucesso na entrevista. Ainda assim, ela não se organizou e faltou instrumento
para a entrevista.
Pense
comigo: Quem vai para uma entrevista e se esquece de levar uma caneta, um lápis
para anotar as respostas do entrevistado?
Sem
precisar pedir, Christian nota essa deficiência de planejamento, de “pé no
chão” da moça, e a empresta um lápis. Com
aquele lápis emprestado, ele estava respondendo à falta existente nela. Pelo o
que ele aparenta ser e realiza com esse gesto, ele está simbolicamente suprindo
o que ela precisa: segurança, estabilidade, ordem, noção de realidade.
Ela
chegou em casa seduzida, pensando após a entrevista: “Como pode alguém se
encaixar tão bem no que falta em mim? Ele é perfeito.” Para ela, ele é poderoso; é alguém autoconfiante; que
empreende; que sabe das coisas; que consegue o que quer. Foi uma mistura de
êxtase e mistério ao mesmo tempo para Anastasia.
É
interessante como as aparências enganam. As pessoas que conheciam de vista
Christian Grey comentavam que ele só podia ser gay, porque vivia sozinho, não
aparecia com mulheres, enquanto essa é uma característica de um homem
individualista também, narcisista, organizadíssimo, alguém que tem muitas
especificidades para se relacionar, extremamente seletivo.
As
expectativas de Anastasia se confirmam quando ele vai ao seu encontro onde ela
trabalha. Christian é um cara obstinado, persistente, que pessoalmente tem muitos com objetivos e é ligado à concretização de metas. Ele domina mais uma vez:
fala com os lábios uma coisa e com os olhos, outra, deixando segundas intenções
no ar. Ele propõe aventura, o novo, o misterioso. Ainda, investiga o que ela
pretende da vida...
Com o perfil dela que eu já descrevi, ela não tinha muitos
planos reais, e mesmo se tivesse, isso não seria problemático para Christian.
Ele já sabia que ela era uma presa frágil, fácil à sua dominação.
POR QUE ATRAI TANTO AS
MULHERES?
A
fantasia das mulheres que assistem ao filme é ter um homem assim: persistente,
que vai procurá-las depois do primeiro encontro espontaneamente, que se interesse
por elas pessoalmente, de verdade, e que as seduza por que as ama, as achou
interessante. Na realidade, a mulher quer atenção. A mulher é insatisfeita, vive reclamando de algo que
falta. Grey é rico, poderoso, dominador e aparenta sempre satisfazer material e sexualmente uma mulher.
Quando
falamos de relacionamentos amorosos em Psicanálise, pensamos como cada parceiro
(homem e mulher) se relaciona com a figura de seus pais (com os pais que cada
um imagina e sente que tem), como cada um entende a diferenciação entre homem e
mulher, do papel masculino e feminino e como se vê em relação a essa estrutura
básica Pai, Mãe e Filho (esse filho é quem agora forma um novo casal).
O
sr. Grey escolhe Anastasia com base nas referências que ele tem de
mulher, de mãe. A escolha amorosa, bem com as demais escolhas na vida, tendem a
um padrão de repetição inconsciente e será assim até a pessoa fazer uma análise
e perceber por que age de determinada forma.
Vejamos
o caso de Anastasia do qual temos mais informações no filme: o pai biológico
não é presente na vida dela, e quem ela chama de “pai” é um dos quatro maridos
da sua mãe. O “pai” é uma figura inconstante, que não oferece o que ela
gostaria enquanto proteção e presença. A mãe da personagem teve 4 casamentos, o
que nos informa o quanto está mais preocupada em outros tipos de investimento,
que não a filha. Anastasia vive sozinha, sentindo a necessidade de uma
estrutura mais firme, segura para viver.
Perceba:
a mãe pode até ser solícita e convidá-la para passar alguns dias em sua casa,
mas há uma distância entre a figura da mãe e a filha Anastasia. O que importa
não é se a mãe é boa ou ruim, presta ou não cuidados a ela, mas o quanto
Anastasia sente que essa proteção é insuficiente para ela. Se a mãe passou por 4 casamentos, ter a presença de um homem que apoie a mulher deve ser essencial, no modelo passado pela mãe da Anastasia.
Anastasia até mora
com uma amiga, mas que está cuidando da própria vida, tem outros compromissos e é insuficiente para oferecer a atenção que a protagonista procura.
QUEM É GREY PARA
ANASTASIA?
Uma
atuação muito forte inconsciente da Anastasia acontece quando ela liga para
Christian Grey em uma festa dizendo que vai devolver os livros que ele mandou
entregar, que não quer nada dele, mas ao mesmo tempo telefona na hora em que
está mais vulnerável, passando mal na balada de tão bêbada, sem alguém que
coloque freio, ordem no que ela faz. Ou seja: ela praticamente pede para ser
“adotada” por ele.
Por
que eu falo “adotada”? Inconscientemente, ela convida Grey para ser o seu cuidador. Ela pede atenção, proteção, cuidados, intervenção muito parecida
com a figura de um... PAI. E o que acontece a seguir, depois da festa? Ela acorda na cama,
limpinha, e com o café servido. Sabe aquele cuidado de tirar do desconforto e
colocar na cama, cobrir, igual pai faz, mas que ela sente falta? Então.
Grey
avisa que tem gostos muito específicos, diferentes, e que em troca desses
cuidados, ele poderá pedir algo além. Anastasia se mostra muito disposta a
conhecer mais dele, porque a atenção que ela quer está sendo assegurada por ele.
*Grey
entra para reeditar o poder, o cuidado e a proteção que Anastasia deseja. Ela
não encontra condições em si mesma para fazer algo de grande, produtivo,
maravilhoso, mas sabe que ele tem como fazer tudo isso. Ele passa a ser a força
dela. É o super-herói, que tem visão além do alcance, o que a amou
aparentemente sem interesse, que buscou por ela, alguém mais maduro que ela e
que oferece segurança.
Para
Anastasia e as mulheres que assistem, Grey é o poder em pessoa. Ele é o poder
que a mulher gostaria de ter. É por isso que ela
aceita se relacionar com ele.
O SEXO
Grey
evita dormir com as mulheres que se relaciona, porque não quer envolvimento
afetivo. O trabalho dele é selecionar brilhantemente um perfil feminino que
aceite negociar um contrato possível para as duas partes.
Para
ele o sexo assume uma função preponderante, é o objetivo de fetiche e
dominação. Mais do que isso, é um instrumento para se livrar de más recordações
e de uma possível culpa de ter sido abusado sexualmente na infância. A culpa
pode aparecer por não ter conseguido se livrar da situação constrangedora no
passado ou porque seu prazer na relação de exploração não pode ser
conscientemente sentido por ele.
Para Anastasia, a relação sexual é um bônus
depois da atenção e do cuidado despendido a ela.
O CONTRATO E A
EXCLUSIVIDADE
Grey
responde ao desejo de Anastasia de cuidar e proteger, prometendo ainda
exclusividade no contrato entre eles, não se envolvendo com outra pessoa além
dela nesse período. Ele chega a dizer que nunca havia se envolvido tanto da
forma como foi com ela antes. No entanto, Anastasia é insatisfeita. Ao saber
que ele já havia se relacionado no mesmo padrão com outras 15 mulheres, se
lembra de que tem “livre arbítrio” e deseja repentinamente ir embora da mansão.
A
exclusividade é ótima para Anastasia, que quer ser objeto de desejo de Grey. Quando
ela percebe que ele pode ter quantas ele quiser, seu lugar privilegiado de
atenção é ameaçado, então muda de opinião sobre ficar tanto tempo à disposição
de Grey, como que fazendo surgir uma ameaça de que não é tão fácil assim. A
partir daí, começa a reivindicar ser mais próxima de Christian, querendo saber
mais dele e de sua história, que não é revelada em muitos detalhes.
Ele
apresenta resistência em falar sobre a própria vida e tem impressões negativas
sobre sua história: “a vida tem 50 tons de cinza”. O que chama a atenção também
é como ele leva a sério a forma de se livrar da dor de ter sido abusado
sexualmente na infância, ao ponto de concretizar em um contrato formal e ter um
arsenal de instrumentos de sadismo para atuar de forma inversa: sendo o dominador
sexual.
SADOMASOQUISMO
Popularmente,
se fala que Masoquista é aquele que gosta de sofrer. Segundo o vocabulário da
Psicanálise de Laplanche, Pontalis (1996), veja o que é Masoquismo:
Masoquismo:
perversão sexual em que a satisfação está ligada ao sofrimento ou à humilhação
a que o sujeito se submete. Freud estende a noção de masoquismo para além da
perversão descrita pelos sexólogos, por um lado reconhecendo elementos dela em
numerosos comportamentos sexuais, e rudimentos na sexualidade infantil, e por
outro lado descrevendo formas que dela derivam, particularmente o “masoquismo
moral”, no qual o sujeito, em razão de um sentimento de culpa inconsciente,
procura a posição de vítima sem que um prazer sexual esteja diretamente
implicado no fato.
O
dicionário de Psicanálise de Roudinesco, Plon (1998) explica o que é o
comportamento sádico de Christian Grey:
Sadismo:
termo criado por Richard von Krafft-Ebing* em 1886 e forjado a partir do nome
do escritor francês Donatien Alphonse François, marquês de Sade (1740-1814),
para designar uma perversão* sexual — pancadas, flagelações, humilhações
físicas e morais — baseada num modo de satisfação ligado ao sofrimento
infligido ao outro.
Onde
existe um dominador, existe um dominado e isso aparece nas relações do dia a
dia, entre casais, em família, entre amigos não só em questões sexuais. Alguém
mais passivo convive de forma complementar com outra pessoa mais ativa. Como se
diz, “Todo sádico tem o seu masoquista”, mas vemos que os perfis sádico e
masoquista aparecem ao mesmo tempo, como fala Laplache, Pontalis (1996). Assim,
aquele tem prazer de dominar e de ver outra pessoa sofrer, também tem algum
prazer em ser dominado e aquele que é passivo também tem o prazer de submeter
alguém. São opostos que coexistem nas pessoas.
O AFASTAMENTO
O
conflito da história pessoal de Grey não está bem resolvido e isso afeta a
forma como ele se relaciona amorosamente, o impedindo de ter relacionamentos
normais. Essa questão também é problemática para Anastácia, pois ela sente que
não há reciprocidade de confiança, abertura para expor sentimentos entre os
dois. Isso a coloca em um lugar de exclusão da vida dele.
Assim,
como ele cuida dela, ela mostra que gostaria de cuidar mais dele, porém a
figura feminina e as referências de sexualidade que estão na mente de Christian Grey são temas
pesados demais para absorver bem sozinho agora.
Referências
LAPLANCHE
J., PONTALIS J.B., Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1996.
ROUDINESCO,
E. PLON, M (1944). Dicionário de Psicanálise. Tradução: Vera Ribeiro, Lucy
Magalhães. Supervisão da Ed. Brasileira Antônio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998.