quarta-feira, 29 de julho de 2015

50 Tons de Cinza - Análise do filme

Olá!
Depois de um tempo do lançamento do filme 50 Tons de Cinza, venho trazer a minha análise psicológica sobre a obra. Tantos outros comentários já foram lançados e só agora trouxe o meu. Por isso, acredito que você que assistiu não vai achar ruim se eu interpretar detalhes e cenas do filme, não é mesmo? Então, me acompanhe!

ANASTASIA STEELE
Começo pelas impressões de Anastasia, que se mostra tão frágil, ingênua, e é uma jovem instável, aparentemente “solta” no mundo, desajeitada, desorganizada e que não se preocupa em planejar os detalhes da vida. Simplesmente, se deixa levar pelas situações e “acasos”.

 CHRISTIAN GREY
Chritian Grey é um sujeito organizado, detalhista, objetivo, que tem muitos planos e sabe onde quer chegar. Ele é narcisista e controlador, como se observa pela ordem e estilo de seu closet, a qualidade do que ele tem e investe em si mesmo. Para si: o melhor, o primeiro lugar.

COMO TUDO ACONTECEU


Sendo alguém sagaz, ao ser entrevistado por Anastasia, observa a passividade da moça e como ela age de forma lenta, mesmo quando ela tenta ser “intrometida” com as perguntas feitas sobre a vida pessoal dele. E o que acontece? Ele domina, inverte o propósito da entrevista e fica sabendo mais sobre a vida dela do que ela dele. Aí ele começa a entender que ela é o perfil ideal para se relacionar.

Ela vai entrevistar um cara super famoso, competente profissionalmente e a amiga em casa já havia feito um check list para ver se ela não estava esquecendo nada para obter sucesso na entrevista. Ainda assim, ela não se organizou e faltou instrumento para a entrevista. 

Pense comigo: Quem vai para uma entrevista e se esquece de levar uma caneta, um lápis para anotar as respostas do entrevistado?

Sem precisar pedir, Christian nota essa deficiência de planejamento, de “pé no chão” da moça, e a empresta um lápis.  Com aquele lápis emprestado, ele estava respondendo à falta existente nela. Pelo o que ele aparenta ser e realiza com esse gesto, ele está simbolicamente suprindo o que ela precisa: segurança, estabilidade, ordem, noção de realidade.


Ela chegou em casa seduzida, pensando após a entrevista: “Como pode alguém se encaixar tão bem no que falta em mim? Ele é perfeito.”  Para ela,  ele é poderoso; é alguém autoconfiante; que empreende; que sabe das coisas; que consegue o que quer. Foi uma mistura de êxtase e mistério ao mesmo tempo para Anastasia.

É interessante como as aparências enganam. As pessoas que conheciam de vista Christian Grey comentavam que ele só podia ser gay, porque vivia sozinho, não aparecia com mulheres, enquanto essa é uma característica de um homem individualista também, narcisista, organizadíssimo, alguém que tem muitas especificidades para se relacionar, extremamente seletivo.

As expectativas de Anastasia se confirmam quando ele vai ao seu encontro onde ela trabalha. Christian é um cara obstinado, persistente, que pessoalmente tem muitos com objetivos e é ligado à concretização de metas. Ele domina mais uma vez: fala com os lábios uma coisa e com os olhos, outra, deixando segundas intenções no ar. Ele propõe aventura, o novo, o misterioso. Ainda, investiga o que ela pretende da vida... 

Com o perfil dela que eu já descrevi, ela não tinha muitos planos reais, e mesmo se tivesse, isso não seria problemático para Christian. Ele já sabia que ela era uma presa frágil, fácil à sua dominação.

POR QUE ATRAI TANTO AS MULHERES?

A fantasia das mulheres que assistem ao filme é ter um homem assim: persistente, que vai procurá-las depois do primeiro encontro espontaneamente, que se interesse por elas pessoalmente, de verdade, e que as seduza por que as ama, as achou interessante. Na realidade, a mulher quer atenção. A mulher é insatisfeita, vive reclamando de algo que falta. Grey é rico, poderoso, dominador e aparenta sempre satisfazer material e sexualmente uma mulher. 

Quando falamos de relacionamentos amorosos em Psicanálise, pensamos como cada parceiro (homem e mulher) se relaciona com a figura de seus pais (com os pais que cada um imagina e sente que tem), como cada um entende a diferenciação entre homem e mulher, do papel masculino e feminino e como se vê em relação a essa estrutura básica Pai, Mãe e Filho (esse filho é quem agora forma um novo casal).

O sr. Grey escolhe Anastasia com base nas referências que ele tem de mulher, de mãe. A escolha amorosa, bem com as demais escolhas na vida, tendem a um padrão de repetição inconsciente e será assim até a pessoa fazer uma análise e perceber por que age de determinada forma.

Vejamos o caso de Anastasia do qual temos mais informações no filme: o pai biológico não é presente na vida dela, e quem ela chama de “pai” é um dos quatro maridos da sua mãe. O “pai” é uma figura inconstante, que não oferece o que ela gostaria enquanto proteção e presença. A mãe da personagem teve 4 casamentos, o que nos informa o quanto está mais preocupada em outros tipos de investimento, que não a filha. Anastasia vive sozinha, sentindo a necessidade de uma estrutura mais firme, segura para viver. 

Perceba: a mãe pode até ser solícita e convidá-la para passar alguns dias em sua casa, mas há uma distância entre a figura da mãe e a filha Anastasia. O que importa não é se a mãe é boa ou ruim, presta ou não cuidados a ela, mas o quanto Anastasia sente que essa proteção é insuficiente para ela. Se a mãe passou por 4 casamentos, ter a presença de um homem que apoie a mulher deve ser essencial, no modelo passado pela mãe da Anastasia.

Anastasia até mora com uma amiga, mas que está cuidando da própria vida, tem  outros compromissos e é insuficiente para oferecer a atenção que a protagonista procura. 

QUEM É GREY PARA ANASTASIA?

Uma atuação muito forte inconsciente da Anastasia acontece quando ela liga para Christian Grey em uma festa dizendo que vai devolver os livros que ele mandou entregar, que não quer nada dele, mas ao mesmo tempo telefona na hora em que está mais vulnerável, passando mal na balada de tão bêbada, sem alguém que coloque freio, ordem no que ela faz. Ou seja: ela praticamente pede para ser “adotada” por ele.

Por que eu falo “adotada”? Inconscientemente, ela convida Grey para ser o seu cuidador. Ela pede atenção, proteção, cuidados, intervenção muito parecida com a figura de um... PAI. E o que acontece a seguir, depois da festa? Ela acorda na cama, limpinha, e com o café servido. Sabe aquele cuidado de tirar do desconforto e colocar na cama, cobrir, igual pai faz, mas que ela sente falta? Então.

Grey avisa que tem gostos muito específicos, diferentes, e que em troca desses cuidados, ele poderá pedir algo além. Anastasia se mostra muito disposta a conhecer mais dele, porque a atenção que ela quer está sendo assegurada por ele.

*Grey entra para reeditar o poder, o cuidado e a proteção que Anastasia deseja. Ela não encontra condições em si mesma para fazer algo de grande, produtivo, maravilhoso, mas sabe que ele tem como fazer tudo isso. Ele passa a ser a força dela. É o super-herói, que tem visão além do alcance, o que a amou aparentemente sem interesse, que buscou por ela, alguém mais maduro que ela e que oferece segurança.

Para Anastasia e as mulheres que assistem, Grey é o poder em pessoa. Ele é o poder que a mulher gostaria de ter. É por isso que ela aceita se relacionar com ele.

O SEXO

Grey evita dormir com as mulheres que se relaciona, porque não quer envolvimento afetivo. O trabalho dele é selecionar brilhantemente um perfil feminino que aceite negociar um contrato possível para as duas partes.


Para ele o sexo assume uma função preponderante, é o objetivo de fetiche e dominação. Mais do que isso, é um instrumento para se livrar de más recordações e de uma possível culpa de ter sido abusado sexualmente na infância. A culpa pode aparecer por não ter conseguido se livrar da situação constrangedora no passado ou porque seu prazer na relação de exploração não pode ser conscientemente sentido por ele.

 Para Anastasia, a relação sexual é um bônus depois da atenção e do cuidado despendido a ela.

O CONTRATO E A EXCLUSIVIDADE


Grey responde ao desejo de Anastasia de cuidar e proteger, prometendo ainda exclusividade no contrato entre eles, não se envolvendo com outra pessoa além dela nesse período. Ele chega a dizer que nunca havia se envolvido tanto da forma como foi com ela antes. No entanto, Anastasia é insatisfeita. Ao saber que ele já havia se relacionado no mesmo padrão com outras 15 mulheres, se lembra de que tem “livre arbítrio” e deseja repentinamente ir embora da mansão.

A exclusividade é ótima para Anastasia, que quer ser objeto de desejo de Grey. Quando ela percebe que ele pode ter quantas ele quiser, seu lugar privilegiado de atenção é ameaçado, então muda de opinião sobre ficar tanto tempo à disposição de Grey, como que fazendo surgir uma ameaça de que não é tão fácil assim. A partir daí, começa a reivindicar ser mais próxima de Christian, querendo saber mais dele e de sua história, que não é revelada em muitos detalhes.

Ele apresenta resistência em falar sobre a própria vida e tem impressões negativas sobre sua história: “a vida tem 50 tons de cinza”. O que chama a atenção também é como ele leva a sério a forma de se livrar da dor de ter sido abusado sexualmente na infância, ao ponto de concretizar em um contrato formal e ter um arsenal de instrumentos de sadismo para atuar de forma inversa: sendo o dominador sexual.

SADOMASOQUISMO


Popularmente, se fala que Masoquista é aquele que gosta de sofrer. Segundo o vocabulário da Psicanálise de Laplanche, Pontalis (1996), veja o que é Masoquismo:

Masoquismo: perversão sexual em que a satisfação está ligada ao sofrimento ou à humilhação a que o sujeito se submete. Freud estende a noção de masoquismo para além da perversão descrita pelos sexólogos, por um lado reconhecendo elementos dela em numerosos comportamentos sexuais, e rudimentos na sexualidade infantil, e por outro lado descrevendo formas que dela derivam, particularmente o “masoquismo moral”, no qual o sujeito, em razão de um sentimento de culpa inconsciente, procura a posição de vítima sem que um prazer sexual esteja diretamente implicado no fato.
O dicionário de Psicanálise de Roudinesco, Plon (1998) explica o que é o comportamento sádico de Christian Grey:

Sadismo: termo criado por Richard von Krafft-Ebing* em 1886 e forjado a partir do nome do escritor francês Donatien Alphonse François, marquês de Sade (1740-1814), para designar uma perversão* sexual — pancadas, flagelações, humilhações físicas e morais — baseada num modo de satisfação ligado ao sofrimento infligido ao outro.
Onde existe um dominador, existe um dominado e isso aparece nas relações do dia a dia, entre casais, em família, entre amigos não só em questões sexuais. Alguém mais passivo convive de forma complementar com outra pessoa mais ativa. Como se diz, “Todo sádico tem o seu masoquista”, mas vemos que os perfis sádico e masoquista aparecem ao mesmo tempo, como fala Laplache, Pontalis (1996). Assim, aquele tem prazer de dominar e de ver outra pessoa sofrer, também tem algum prazer em ser dominado e aquele que é passivo também tem o prazer de submeter alguém. São opostos que coexistem nas pessoas.

O AFASTAMENTO


O conflito da história pessoal de Grey não está bem resolvido e isso afeta a forma como ele se relaciona amorosamente, o impedindo de ter relacionamentos normais. Essa questão também é problemática para Anastácia, pois ela sente que não há reciprocidade de confiança, abertura para expor sentimentos entre os dois. Isso a coloca em um lugar de exclusão da vida dele.

Assim, como ele cuida dela, ela mostra que gostaria de cuidar mais dele, porém a figura feminina e as referências de sexualidade que estão na mente de Christian Grey são temas pesados demais para absorver bem sozinho agora.

Referências
LAPLANCHE J., PONTALIS J.B., Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1996.
ROUDINESCO, E. PLON, M (1944). Dicionário de Psicanálise. Tradução: Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Supervisão da Ed. Brasileira Antônio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

3 comentários:

  1. Só uma adolescente, uma mulher fraca e ingênua pra se submeter.
    Filme para adolescentes. Muito bobo.

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  2. Parabéns pela interpretação, nunca assisti o filme, porque até cansei de tanto que se falou, mas ele têm todas as caraterísticas de alguns homens enigmáticos. Talvez a resposta esteja em um segredo do passado, talvez um abuso sexual como o personagem. Foram ótimos os seus esclarecimentos. 👏🏼👏🏼👏🏼

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